Leia entrevista com vítima de padre pedófilo na Holanda

Rodrigo Craveiro
Publicação: 17/12/2011 00:01 Atualização: 16/12/2011 22:44
Artigo original

Ton Leerschool, cofundador do Stichting Mannenhulpverlening
(uma organização que presta ajuda a homens vítimas de abuso sexual)

Como o senhor vê o fato de dezenas de milhares de crianças terem sido abusadas em instituições católicas na Holanda?
Em primeiro lugar, o número entre 10 mil e 20 mil é um cálculo baseado nas atividades da comissão de investigação. Achamos que os números atuais são muito maiores. A comissão identificou, por meio de depoimentos, cerca de mil agressores. A partir de estatísticas mundial, achamos que o número atual de vítimas se aproximará de 50 mil e pode exceder 100 mil. Como resultado de toda a atenção da mídia sobre o relatório da comissão, recebemos na tarde de hoje (sexta-feira), e-mails que pessoas que nos disseram nunca terem falado sobre o abuso que sofreram, mas que agora sentiam a necessidade de fazê-lo. Os fatos publicados deveriam resultar em uma intervenção política, como uma investigação independentes liderada pelo Estado holandês. Esse é o próximo passo pelo qual estamos lutando. Sou membro de uma comissão do Parlamento da Holanda e nós (as organizações de sobreviventes) nos reuniremos em breve com os membros do Parlamento para preparar um debate público na casa. No âmbito global, o relatório é bem importante. Após EUA, Irlanda, Alemanha, Áustria e Bélgica, nossas acusações têm confirmado que a hierarquia da Igreja Católica sabia dos abusos e decidiu não agir. Os procedimentos são internacionalmenteos mesmos e o Vaticano não pode mais ser excluído de implicações diretas; as autoridades da Igreja na Holanda estão alinhadas com as políticas do Vaticano: “A Igreja Católica em primeiro lugar!”. Isso deveria ser uma advertência para países na América do Sul, na África e no Sudeste da Ásia, onde a Igreja ainda tem consideráveis poder e autoridade. O relatório tem exposto a cultura da Igreja Católica. As autoridades da Igreja se desculparam novamente, mas isso não é mais passível da confiança de qualquer pessoa.

Por que tantos casos de pedofilia têm envolvido a Igreja mundo afora?
Eu pessoalmente não acredito que os agressores eram pedófilos. Também não creio que o celibato tem algo com isso. Eu acredito que o abuso de crianças é uma expressão da falta de respeito pela vida humana, por parte de um número de empregados da Igreja Católica. Esse relatório apenas fala sobre abuso sexual, mas também temos incontáveis exemplos de abusos físico e psicológico. As crianças são brinquedos para os homens no poder. Em qualquer lugar onde um poder quase interminável é exercido, o risco de abuso, de qualquer forma, é muito alto. Os padres têm quase um poder sem fim, são representantes de Deus, da liturgia católica e dos rituais que eles nos ensinam. Eles ainda desempenham um papel ativo na decisão sobre quem vai para o céu ou o inferno. Não há maior poder do que esse! Ao mesmo tempo, a Igreja Católica é uma organização altamente secreta. Ela tem sua própria legislação e lida com atos criminosos. Quase como se fosse um Deus sobre esta Terra… Segredos podem ser mantidos entre organizações e criminosos que ficam atrás de portas cerradas. Os agressores se movem ao redor do mundo sem alerta e podem continuar suas ações do mal sem qualquer consequência. O nome da igreja não pode jamais, sob nenhuma circunstância, ser danificado. Nessa cultura, criminosos podem prosperar e atos criminosos florescerão…

O senhor pode relatar o que lhe ocorreu? Como e quando foi abusado?
Eu fui abusado aos 13 anos em um internato no sul da Holanda. O agressor era meu professor, meu treinador, uma espécie de ‘pai’. O abuso começou após um acidente na escola. Eu fraturei o cóccix e o padre aplicava um creme no local, três vezes ao dia. Na primeira vez, ele mudou a conversa para o campo da sexualidade e me fez sentar em seu colo. Masturbou-me e me obrigou a fazer o mesmo com ele em sua sala, perto de nosso dormitório. Eu não sei precisamente por quanto tempo o abuso prosseguiu; cerca de um ano. Depois que minha lesão foi curada, ele vinha e me tirava da cama. Esse é um dos pesadelos que tenho regularmente: eu o vejo urinando através do cortinado de minha cama; então, ele toca sobre minhas pernas e gesticula, ordenando que eu vá para sua sala. O diretor da escola me chamou um dia e disse que eu era um ‘garoto sujo’ e que eu tinha que parar de seduzir o padre. Passei a vida inteira imaginando que eu era uma pessoa má. Saí de casa quando tinha 17 anos e não tive mais relação com meus pais, por pensar que eles também achavam que eu fosse uma má pessoa. Minha mulher foi a primeira pessoa com quem eu falei sobre o abuso, 37 anos depois. Isso ocorreu em 2003.

Como o senhor vê os pedidos de desculpas da Igreja Católica holandesa?
As desculpas da Igreja Católica nada significam para mim. Não sabemos do quê eles mesmos se desculpam. Eles nunca se deram o trabalho de descobrir, em uma conversa pessoal, vinda do coração, o que o abuso significou para minha vida. A Igreja deveria, humildemente, perguntar aos sobreviventes, um a um, o que ela pode fazer para diminuir a dor causada pelos abusos. Enquanto permancerem arrogantemente indiferentes ante milhares e milhares de vidas destruídas, suas desculpas serão em vão e vazias. É óbvio que há também bons cristãos, e não sinto raiva dos católicos. A religião é uma escolha livre, de qualquer indivíduo. Mas também é algo entre o indivíduo e Deus. A Igreja Católica deveria retomar as lições daquele filho de um carpinteiro da Galileia (se ele já existiu, porque poderia ser outra invenção da Igreja). Mas se ele exsitiu, acho que o mundo seria um lugar melhor de se viver, caso as pessoas se tratassem com o respeito que Cristo pregou. A Igreja Católica deveria viver as normas que ela prega; atualmente, está em total controvérsia com seus ensinamentos.

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